China: questões socioculturais

 O céu está lá em cima e o imperador está longe


    Com essas palavras Fei Xiatong, antropólogo chinês, descreve instituições estatais na China.

    A frase resume as metáforas imperiais usadas pelos camponeses que refletem as estruturas políticas e de estratificação social na China através de relações de oposições hierárquicas. Nesse sentido, o Imperador representa tudo o que tiver grande poder político e econômico, como o Estado, e o camponês aquele que está em uma posição de subordinação.


Pu Yi, o último imperador chinês.
A figura do imperador é associada a “céu” e “tigre”, enquanto o camponês é associado a “terra” e “cão”. Como o céu é superior à terra - não em uma visão cristã - e o tigre é mais forte que o cão, assim também é o imperador com o camponês. 


Vale fazer um paralelo dessas metáforas com as relações diádicas confucionistas, uma vez que em sua codificação existe uma relação de hierarquia e dependência. O Xiao (孝), piedade filial, é um dever e obrigação do filho com o pai. Nesse contexto, o camponês também vive essa relação de subordinação e dever de respeito ao Imperador. 


Toda essa metáfora burocrática está tão emaranhada no cotidiano das pessoas que a rebelião de uma família contra a burocracia estatal é vista como o levante de um cão contra um tigre. O camponês está, dessa forma, sob o jugo do Imperador, do Céu e do Tigre. 


A relação de subordinação entre mestre e discípulo
é fruto dos ensinamentos de Confúcio.

Todo esse sistema simbólico tem natureza abrangente e englobante, e serve para naturalizar as relações de hierarquia e subordinação existentes. Como sendo algo natural, é um sistema não passível de questionamento ou rompimento, tanto que não houve ruptura desse pensamento com a queda do Império ou da República da China, mas houve uma apropriação dessa estrutura cosmológica. 


Considerando os aspectos analisados, conclui-se que a frase é aplica à vida dos camponeses de diversas formas, uma vez que ela sintetiza todo um sistema cosmológico de aldeias do sudoeste chinês representando as relações hierárquicas, de estratificação social e de organização política do Estado.


Rio amarelo, coração vermelho: Regime Comunista


Note que o trabalhador levanta o Livro Vermelho,
o mais lido do mundo depois da Bíblia.

     O regime comunista foi implantado na China em um longo processo, que culminou na fundação da República Popular da China em 1949. Todavia, esse processo não apresentou somente uma mudança de regime econômico e político, mas modificou a vida social das comunidades. É nesse contexto que profundas mudanças aconteceram na aldeia Vale da Harmonia, com diversas fases e movendo diversas estruturas sociais.

  


Antes da revolução comunista, a comunidade, localizada no sudoeste chinês e organizada em torno da prática da orizicultura, tinha como principal forma de organização social as aldeias de linhagens. Nesta estrutura, todos os membros alegam compartilhar de uma mesma herança genética através de um ancestral em comum, e a descendência era feita através da linhagem masculina (agnática), sendo o registro feito em livros. É forte o senso de comunidade nessas linhagens, sendo todos componentes de uma grande família; e o corporativismo também ocorre, assim, é comum ter escolas destinadas a filhos de uma mesma linhagem para prepará-los aos concursos públicos.


    Todavia, esse sistema vivia ao lado de um sistema de estratificação social que ia do lordland (o senhor feudal, que concentrava grandes quantidades de terra), o camponês rico, camponês médio e o pequeno trabalhador. A revolução comunista veio contestar essa forma de divisão social e implantar a reforma agrária, todavia, para isso, precisava enfrentar os poderes já estabelecidos. Dentre outras práticas adotadas, a principal foi destruir as organizações feudais, começando com a morte de todos os lordlands, e a destruição do próprio conceito de linhagem, com o vilipêndio aos túmulos, proibição de culto aos ancestrais e a obrigatoriedade da cremação dos mortos. 


A mobilização em massa de camponeses foi uma
das principais características da Política do
Grande Salto Adiante
Assim, foi dado início à política do Grande Salto para a Frente, processo de coletivização das terras e reordenamento das forças produtivas. Essa política não deu muito certo, sendo provavelmente a causa da Grande Fome Chinesa.


A revolução verde e a industrialização também ajudaram a mudar a forma de divisão do trabalho, uma vez que, com as técnicas mais eficientes exigindo menos esforço humano, as famílias puderam focar no trabalho nas indústrias, promovendo uma migração à cidade, esse movimento privilegiou as aldeias mais pertos das indústrias. Essas reformas melhoraram as condições de vida da aldeia de forma significativa, além de servir para resgatar o sistema de parentesco, uma vez que as famílias reconstruíram os templos dedicados aos ancestrais e alguns familiares voltaram do exterior.




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