A economia por trás do tabu do incesto

O sistema de casamento do povo kachin, Mayu-
Dama, no norte de Myanmar, estabelece relações
 entre os doadores e tomadores de mulheres. Além 
disso, o tabu do incesto impede o casamento entre 
pessoas do mesmo clã. O que isso pode nos revelar 
sobre as práticas econômicas? 
       O que é praticado em grande parte das sociedades, nas cerimônias matrimoniais, não é simplesmente a união entre duas pessoas que se amam, tampouco ocorre somente uma troca de mulheres. Baseando-se na produção de Gayle Rubin, antropólogo e ativista americano, e Lévi-Strauss, antropólogo franco-belga, investigo como a exogamia e a troca de mulheres é uma ferramenta útil às práticas econômicas, lançando uma explicação cultural-econômica ao tabu do incesto.


        A palavra incesto deriva da palavra latina incestus, tendo como significado impuro ou não casto. Ela é usada para definir as relações matrimoniais que não são legítimas perante a sociedade. Em “As estruturas elementares do parentesco” (1949) Lévi-Strauss discorre que o tabu do incesto é uma regra universal, sendo encontrada em todas as sociedades, variando, contudo, as categorias de parentecos nas quais incide.


        Gayle Rubin, propondo-se a investigar a origem da opressão feminina e das relações de gênero, recorre à teoria lévi-straussiana para encontrar ferramentas teórico-analíticas. Para ele, apesar de muitas autoras terem consolidado o entendimento em como a opressão feminina é útil ao capitalismo, isso não é suficiente para explicar a sua gêneses. 


        Segundo Rubin, o incesto incentiva a exogamia, onde os laços matrimoniais devem ocorrer entre diferentes grupos. O intercâmbio de mulheres seria uma forma de celebrar acordos e alianças na sociedade. Como é feito nos circuitos de dádiva, o grupo que toma para si a mulher deve fazer a retribuição.


        Nesse contexto, constata, a opressão das mulheres teria base nas estruturas de parentescos - e não no modelo capitalista em si. É perceptível que, em todo esse processo de troca, as mulheres não têm agência sobre o seu destino, sendo submetidas às regras de casamentos desejados e de casamentos impuros.


Podemos pensar na prostituição como uma forma
de "compra de amor". Como dito, a oposição entre
pessoas e objetos faz com que essas transações sejam 
firmadas em diferentes circuitos: os afetos não podem
circular como mercadorias, mas como dádiva.
Assim, é imoral a prostituição. 

        É importante observar a oposição entre pessoas e objetos colocada em sua teoria. Sendo a pessoa dotada de agência e os objetos sendo seres passivos, as transações econômicas de cada opera-se em diferentes lógicas morais. Assim, trocas de pessoas e objetos devem dar-se em diferentes esferas, sendo ilegítimo comprar ou vender pessoas ou trocá-las por objetos (uma vez que há uma incomensurabilidade entre ambos).

        Dessa proibição de troca, algumas repercuções interessantes que decorre são a impossibilidade (ou imoralidade) de se comprar amor (a esfera de troca de dinheiro não é compatível com as esferas de trocas de afetividades), comprar órgãos humanos e comprar sexo, sendo essas transações consideradas como tráfico.


Não somente restritia às sociedades ditas 
primitivas, a prática das trocas de mulheres é
comum também nas monarquias, onde há o
casamento entre as famílias reais. Ela é utilizada
como uma forma  de reafirmar poder e estabelecer
 laços políticos e econômicos.
Na foto: Casamento entre Elizabeth II da Ingleterra
e  Filipe da Grécia e Dinamarca. Fonte: RoyalUK.

        A troca de mulheres objetivando firmar laços econômicos e políticos é visto, portanto, como tráfico. A dádiva, para além de firmar alianças, também consagram direitos e obrigações econômicas, como o direito sobre a terra, bens e, até mesmo, sobre pessoas.


        É interessante notar que a racionalidade capitalista confere uma explicação dita científica ao tabu do incesto: ele é necessário para que ocorra uma maior diversidade genética, diminuindo a probabilidade dos filhos nascerem com doenças ou malformações. Todavia, esse argumento mostra-se frágil quando percebemos que o tabu do incesto não recai sobre o consaguinidade, mas sim sobre os laços de parentesco - e cada sociedade tem definições próprias de grupos familiares.



Para aprofundar


As Estruturas Elementares do Parentesco (1949) - Livro de Claude Lévi-Strauss.




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