Acordo Mercosul-UE: tensões e perspectivas
O Acordo de Livre Comércio Mercosul-União Europeia, apesar de ser fruto de um longo processo de negociação, ainda guarda consigo diversas controvérsias e entraves para a sua ratificação. Esses impasses tornam o futuro do acordo incerto, ainda mais em um contexto de paralisia das instituições multilaterais.
É interessante notar que historicamente os países membros do Mercosul adotaram políticas protecionistas e desenvolvimentistas. Para Roberto Giannetti, especialista em comércio exterior, o Mercosul deve aproximar-se das grandes cadeias de valor global. Até então, muitos acordos são firmados com países ou em áreas que representam uma baixa representatividade no comércio mundial. |
De forma geral, a criação da área de livre-comércio representa uma maior integração Estados-membros do Mercosul na economia mundial, abrindo seus mercados e afastando políticas protecionistas. Para Aloysio Nunes, ex-ministro das Relações Exteriores (2017-2019), o acordo constitui um “importante mensagem à comunidade internacional de que rejeitamos as tendências ao protecionismo e ao nacionalismo, que recentemente têm dado sinais de ressurgimento.”
Nesse contexto, essa postagem tem como objetivo analisar algumas tendências e perspectivas para o futuro do acordo, além de apresentar algumas tensões econômicas (como o lobby dos agricultores europeus e da indústria nacional), políticas (com o fortalecimento de partidos verdes) e sociais (como a ascensão de movimentos nacionalistas) que impõe desafios a serem enfrentados pelos países.
As tensões e os atores
Nos últimos anos, o cenário político internacional tem assistido a um crescimento dos partidos conservadores e populistas. Apesar das causas e pautas não serem únicas, tendo influências internas e externas, quase todos os governos guardam consigo semelhanças na política externa, como o enfraquecimento das instituições multilaterais.
Em 2018, logo após as eleições presidenciais, o então futuro-Ministro da Economia, Paulo Guedes, disse que o Mercosul não seria prioridade e que o bloco é limitado ideologicamente, negociando somente com países que têm, conforme qualificou, “inclinações bolivarianas”. |
Os reflexos dessa ascensão nacionalista no plano doméstico podem ser vistos na agenda da política externa brasileira, que tem deixado os órgãos multilaterais, como o próprio Mercosul, em segundo plano em detrimento de um diálogo direto com parceiros estratégicos, como o alinhamento automático aos Estados Unidos. No contexto doméstico, por exemplo, houve até mesmo ameaças de retirar o Brasil do Mercosul, conforme declaração dada pelo presidente Jair Bolsonaro.
Em sentido contrário, a União Europeia, pelo menos no tocante ao posicionamento econômico de sua política externa, historicamente defende o livre comércio, o pluri e multilateralismo, a supressão de barreiras comerciais e celebração de acordos regionais (Resolução do Parlamento Europeu 2019/2197 - INI).
A Política Ambiental Brasileira também se mostra como outro entrave para a ratificação do acordo pelo europarlamento e parlamentos regionais. Nesse sentido, foi aprovado pelos eurodeputados, em 30 de setembro de 2019, um texto que diz:
“...sublinha que, neste contexto, o acordo UE-Mercosul não pode ser ratificado na sua forma atual;”
Apesar do texto aprovado não ser vinculativo, sem impactos direto sobre o acordo (este ainda não foi colocado em pauta), revela-se um importante indicador do clima político do parlamento. Na comunidade europeia, o sentimento é de que a agropecuária do Mercosul é competitiva porque a redução de custos é baseada no desrespeito às questões ambientais.
Enquanto isso, no lado brasileiro, de forma reiterada ocorre a negação ou minimização das queimadas, inclusive com acusações sem provas de que os responsáveis são ONGs, como evidenciada em um pronunciamento feito em 2019, na qual o presidente Jair Bolsonaro diz:
"O crime existe, e isso aí nós temos que fazer o possível para que esse crime não aumente, mas nós tiramos dinheiros de ONGs. Dos repasses de fora, 40% ia para ONGs. Não tem mais. Acabamos também com o repasse de dinheiro público. De forma que esse pessoal está sentindo a falta do dinheiro”
(Jair Bolsonaro, em declaração dada no dia 21 de outubro de 2019)
Por outro lado, para além da preocupação ambiental, pode-se fazer uma análise de interesses em pauta no Europarlamento. Os políticos europeus, aproveitando-se do crescimento do verde e da resistência dos agricultores locais, têm assumido um posicionamento populista.
"Esse governo é de vocês", disse o presente à Frente Parlamentar da Agropecuária. No Brasil, a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) tem 243 deputados e 39 senadores, representando 47% dos membros da Câmara dos Deputados e 48% dos membros do Senado Federal. |
No contexto sul-americano, o agronegócio mostra-se uma importante força política, sendo o seu lobby responsável por muitas vezes barrar a pauta ambiental. Todavia as crises econômicas sofridas pela região - muitas vezes agravadas pela instabilidade política - aliada à baixa produtividade, estão levando os países do Mercosul a sujeitaram-se a adotar padrões mais rígidos de manejo e exploração ambiental. Em contrapartida, ganhariam acesso ao mercado Europeu.
Países signatários do Acordo de Paris. Note que os países-membros do Mercosul são signatários. Fonte: Wikimidia. |
Projeções: indústria
Uma das maiores dificuldades dos países-membros do Mercosul é promover melhorias em sua infraestrutura e fomentar a industrialização. A criação do Mercosul teve fortes influências neoliberais, onde os governos locais tinham como foco colocar em prática as políticas derivadas do Consenso de Washington, como a “desregulamentação, privatização, abertura ao capital estrangeiro e remoção das barreiras ao comércio” (MSIa).
Para Samuel Pinheiro Guimarães, ex-Alto Representante Geral do do Mercosul, as políticas econômicas da União Europeia, dos Estados Unidos e da China tendem a estimular a desindustrialização das economias do Mercosul, colocando em risco o desenvolvimento regional. Para ele, o aumento da urbanização do bloco e a implantação de novas tecnologias no campo (dispensando grandes contingentes de trabalhadores), colocam a indústria (instituição urbana) como protagonista no processo de desenvolvimento e inclusão social.
Todavia, em um contexto brasileiro, o acordo deve impulsionar o setor industrial na busca pela inovação e pelo aumento da produtividade, sob o risco de se tornar inexpressiva no cenário global. Essa expectativa dá-se porque a diminuição de barreiras alfandegárias e aumento das exigências fitossanitárias e legais podem tornar os produtos menos competitivos em face dos europeus. Assim, a importação tornará-se mais atraente.
“A concorrência com produtos europeus vai aumentar. A União Europeia é o berço de várias indústrias. Vai gerar uma pressão competitiva no país, mas é uma pressão mais planejada. Ao menos, você tem um calendário planejado”.
Percebemos, assim, que o acordo traz novas oportunidades, mas que para serem aproveitadas deve haver um forte planejamento, tanto por parte da Indústria quanto por parte do Estado. A abertura, como prevê o acordo, deve ser implantado gradualmente em um prazo de 15 anos.
Nesse período, para que a indústria brasileira não perca expressão - em especial as de Alta Tecnologia - é importante reforçar os elementos socioespaciais e estruturais que permitam a instalação de fábricas competitivas, como o aumento da infraestrutura, fomento da qualificação técnica, melhora da malha energética e incentivos à inovação em ciência e tecnologia, por exemplo.
O futuro do Acordo e o futuro do Tratado
O Tratado de Assunção, constituidor do Mercosul, teve como motivador a inserção dos Estados membros nos novos circuitos da economia mundial e para enfrentar “a consolidação de grandes espaços econômicos”. Todavia, apesar da vontade política no Cone Sul, a desigualdade econômica entre os países tem sido uma barreira para a integração para além da aduaneira.
Embora o tratado intrazonal prever a livre circulação de bens, serviços e fatores produtivos, os produtos não são livres de taxas. A ratificação do Acordo de Livre Comércio entre os dois blocos está catalisando um processo de integração interna. Um exemplo é a Argentina, que taxa automaticamente os produtos brasileiros em 2,5%, e o Uruguai, que tem um imposto consular de 3%. É nesse contexto que, se o acordo entrar em vigor, as empresas europeias terão mais vantagens em relação às empresas locais.
As recentes disputas ideológicas internas no Mercosul têm impedido ainda mais a consolidação do bloco como uma instituição para além da mera união aduaneira. Em 2019, em uma gesto inédito, Jair Bolsonaro decidiu não comparecer à posse do presidente argentino Alberto Fernandez. A relação entre os dois maiores players do bloco derreteram-se a ponto do Brasil perder o posto de maior parceiro comercial da Argentina para a China em abril de 2020. |
A expectativa é que, com a ratificação do acordo, os países do bloco atuem de maneira a aumentar a integração para que possam fazer frente aos novos desafios postos.
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