Por uma nova Geografia: o espaço

    

A produção do professor Milton Santos, nascido em Brotas de
Macaúbas (BA), reverberou dentro e fora da Academia. 

       Milton Santos (1926 - 2001), geógrafo baiano, é conhecido por sua grande contribuição no campo da epistemologia da Geografia e na construção da Geografia brasileira. Sua produção extrapolou o espaço acadêmico e reverberou em outros campos do pensamento social e político nacional. O tom crítico de sua obra levou-o a ser perseguido pelo regime militar, ficando no exílio por 13 anos.


Logo após a volta ao Brasil, em 1977, publicou o livro “Por uma geografia nova” onde faz uma reflexão sobre a busca da Geografia em consolidar-se como uma ciência no mundo contemporâneo, superando os estigmas que carregava até então, como o de ser uma ciência voltada ao projeto colonizador. 


O livro está organizado em três partes. A primeira, intitulada de “A Crítica da Geografia”, faz uma análise histórica do campo, começando falando sobre os fundadores (“1 - Fundadores: Pretensões Científicas”), passando pela “New Geography” e finalizando discutindo sobre a crise da Geografia no mundo pós-guerra (“8 - O Balanço da Crise: A Geografia Viúva do Espaço).  


         Na segunda parte, intitulada de "Geografia, Espaço e Sociedade”, o foco é em definir a Geografia, o seu objeto e apontar as dificuldades que a área tem ao tentar integrar-se aos outros campos do saber. Por fim, na terceira parte, “Por Uma Geografia Crítica”, o autor reflete sobre o papel da produção geográfica em pensar também as relações sociais.


Nesse post, irei dar especial atenção a dois capítulos, são eles “9 - Uma Nova Interdisciplinariedade” e “10 - Uma Tentativa de Definição do Espaço”, compondo o início da segunda parte do livro. O primeiro (9) foca o papel da Geografia no espaço interdisciplinar, tecendo críticas ao isolamento das Geografia, já o segundo (10) tem como objetivo promover uma definição do espaço social, o principal objeto analítico do campo.


O capítulo 9 inicia com uma crítica aos que definem a Geografia como ciência síntese, uma vez que ela utilizaria o conhecimento de diversas áreas (chamadas de muletas) para avançar nas suas discussões. Para ele, essa atividade de buscar contribuições de múltiplos saberes é comum a todas as ciências e que, na verdade, os geógrafos são os que mais isolaram-se no campo interdisciplinar.


       Para o autor, a interdisciplinaridade requer integração e troca entre os campos, enquanto o ambiente multidisciplinar é somente a reunião de diversas ciências em torno de um objeto comum, ignorando trocas e resultados integrados. A Geografia, que tinha como pretensão ser uma coordenadora do ambiente interdisciplinar, isolou-se no debate multidisciplinar.


Neste capítulo, percebe-se como a construção histórica do campo promoveu o seu afastamento das demais ciências. Em especial, é apontada a “recusa dos geógrafos em aperfeiçoar conhecimentos oriundos de outras disciplinas” (p. 135) objetivando reafirmar a Geografia como ciência autônoma.


O capítulo 10 inicia discutindo que a Geografia por muito tempo não se preocupou em definir o seu objeto, o espaço social. Essa morosidade causou diversos problemas teórico-metodológicos, uma vez que a própria definição do campo confundia-se com o objeto, quando na verdade deveria ser dada em função das suas ferramentas e formas próprias de abordagem científica.


        Para ele, o objeto cria a identidade do campo científico. Apesar de todos os fenômenos físicos e sociais estarem ligados em diversos níveis, é importante definir um recorte de atuação, sob o risco de “ver sua esfera de ação estender-se ao infinito” (p. 146).


O texto de Milton Santos, apesar de ser publicado há 43 anos, ainda permanece relevante para a consolidação da Geografia enquanto ciência social, propondo um novo pacto epistemológico.  Esse pacto é caracterizado por uma Geografia mais afeita às relações econômicas, de poder e às interações humanas, deixando de lado o neopositivismo e o projeto colonizador. 


        A busca pela renovação da ciência vem em um contexto de reorganização global e doméstico em diversos níveis, seja no sistema financeiro, agroalimentar ou nas dinâmicas geopolíticas. No Brasil, ocorreu o recrudescimento da Ditadura Militar (Anos de Chumbo) e os últimos anos do ciclo nacional-desenvolvimentista, onde o espaço geográfico, principalmente do interior, foi transformado pelos grandes empreendimentos.


O seu texto, que toca questões elementares, convida o leitor a refletir sobre o principal objeto da Geografia, o espaço, e a função do geógrafo no mundo em transformação. A genialidade da produção reside também na simplicidade, pois os seus argumentos surgem como respostas a indagações simples: “o que é estudado?” e “como é estudado?”.


Para  Kuhn (1974, p. 356), uma comunidade científica é compreendida como a união de especialistas em torno de elementos comuns, buscando soluções conjuntas aos problemas apresentados. Avançando na discussão, Szczepanik (2005) afirma que essa comunidade é guiada pelos seus paradigmas. 


        Nesse contexto, consegue-se entender a importância de uma boa definição do espaço social para a Geografia: quanto mais evidenciado é o objeto, melhor será a sua função de nortear as práticas de pesquisa. Sem essa definição, a área torna-se tão difusa que perde a sua identidade enquanto comunidade científica.


        Considerando os fatos analisados, é possível compreender o impacto da obra de Milton Santos para o pensamento geográfico internacional. A pertinência de suas discussões em um mundo de profundas transformações socioespaciais logrou um espaço entre os considerados clássicos.


Obra consultada:

SANTOS, Milton. A. Por uma nova Geogafia. São Paulo: Edusp, 2004, 6ª edição, 285 p.


Referências

KUHN, Thomas. A Tensão Essencial. 1974, Lisboa, Edições 70, 408 p.

Szczepanik, Gilmar Evandro. A concepção de comunidade científica segundo Thomas Kuhn. 2005. Revista Paradigmas. Centro de Estudos Filosóficos de Santos: ano V, nº 27, Julho de 2005.

Nenhum comentário:

Tecnologia do Blogger.