Tim Ingold: sabemos mais do que podemos dizer

    Nesse artigo coloco minhas anotações da conferência com o professor Tim Ingold no 2º Seminário Transformações Técnicas em Perspectivas Locais, organizado pelo Laboratório de Antropologia da Ciência e da Técnica (LACT) da Universidade de Brasília.

    Tim Ingold é Professor Emérito do Departamento de Antropologia de Aberdeen, sendo um dos antropólogos mais influentes da atualidade no campo da arqueologia, da arte, da arquitetura e das relações humanos-meio ambiente. Em 2021, ele volta à Universidade de Brasília para discutir sobre a pedagogia implícita das técnicas e do conhecimento.

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Em Ibiraba (Barra - BA), as crianças apreendem por mimese a
técnicas para manejo do fogo, das águas e das terras. A tese de
Guilherme Moura Fagundes (PPGAS/UnB) aprofunda a
discussão sobre a relação com o habitar, combater,
prevenir emanejar o fogo. Foto: autor. 
    Savoir-faire é uma expressão que significa “saber fazer”. Ela explicita o conhecimento adquirido pela experiência, o know-how, aquilo que não pode ser aprendido por outro meio a não ser a prática, e que também não pode ser ensinado de outra forma. Michael Polanyi, filósofo social, denominou essa expertise como conhecimento pessoal.

    Para denominar esse repertório de conhecimento pessoal, Marcel Mauss originalmente cunhou o termo habitus. Para ele, o habitus são as técnicas corporais e a capacidade de imitar, mas apesar de todo o potencial, sua teoria não prosperou na época. Em momento posterior, Pierre Bourdieu voltou a usar o tempo para fundar uma teoria social centrada nas disposições do corpo, seguindo o precedente de Mauss. 

    Apesar de utilizarem o mesmo termo, cada um teve uma formulação conceitual: para Bourdieu o habitus era um tipo domínio prático que não pode por contato, mas por exercícios estruturais. Também tinha como característica ser inconsciente: sua atuação não é pensada, mas externalizadas pelo corpo, servindo também como uma pedagogia implícita.

O documentário Babie (2010) mostra o crescimento de
quatro crianças no Japão, Mongólia, Namíbia e EUA.
Ao longo da produção, percebemos como os bebês
percebem o mundo e reproduzem os domínios 
práticos do conhecimento. Foto: reprodução.
    A teoria bourdieusiana do habitus corresponde ao que Karl Polanyi chamaria de conhecimento pessoal. Alguns críticos da obra de Polanyi afirmam que sua teoria provocou uma divisão entre corpo e mente, mas Ingold vem em sua defesa e diz que a diferenciação entre conhecimento tácito e explícito, na verdade, demarca uma divisão da própria mente. Tácito, portanto, não é antônimo de conhecimento explícito, mas de explicável.

    Ingold reflete que o hábito que permite a realização de tarefas não está no corpo, mas é gerado e realizado em uma correspondência cinestésica entre ferramentas, materiais e ambientes. Assim somos convidados a refletir que a nossa capacidade cognitiva pode transpor as fronteiras do cérebro e também realizar-se com as ferramentas e técnicas: pensamos em e pensamos com.

Uma criança consegue comunicar-se oralmente, construir
frases e contar histórias. Ao fazer isso, contudo, ela não
reflete sobre a construção da língua, sobre os elementos
semânticos ou sobre a sintaxe das palavras. Os sons
reproduzidos pela criança é a ponta do iceberg, as regras
gramaticais que regem a língua é o elemento
não-aparente. Foto: Getty Images.
    É possível fazer uma analogia entre o conhecimento e um iceberg: ambos apresentam uma pequena parte visível e uma enorme rede invisível (não-aparente), ou seja, sabemos mais do que podemos dizer (conhecimento tácito).

    Nesse ponto, é importante refletir sobre o uso da palavra tácita para definir esse conhecimento oculto. Ela refere-se ao que permanece não-dito. Mas também nem sempre os sons precisam ser verbais, e as frases não precisam de conteúdo explícito. Tácito, portanto, torna-se às vezes impróprio, porque a prática mostra outra realidade. Ingold pega emprestado de Stefano Harney, teórico educacional, e Fred Monten, teórico cultural, o termo hapticalidade. O tácito é silencioso, o háptico é barulhento. Tácito é corporificado e háptico é animado. 

    Da mesma forma que o conhecimento, o pensamento não é algo implícito, mas transborda para o ambiente. Essa constatação vai de encontro com a concepção cartesiana, que promove a divisão entre cognição e ação. 

    O pensamento não está presente em toda ação, e nem toda ação inibe o ato de pensar. O artesão, por exemplo, novato e veterano, pensam durante o seu ofício. Pode-se crer que o novato, por não dominar as técnicas, reflete mais sobre seus movimentos, todavia às vezes o veterano tem uma capacidade reflexiva ainda maior. A diferença reside que o novato pensa nas técnicas, o veterano pensa com as técnicas.

Imagine um investidor da bolsa de valores: o novato pensa em
qual gráfico ou indicador usar, já o experiente pensa
com o gráficos e indicadores. A cultura oferece aos
indivíduos elementos extrassomáticos para ajudar nas
operações cognitivas. Foto: Getty Images.
    Para Andy Clarck, a mente é um dispositivo computacional que trabalha com os estímulos recebidos. Às vezes, talvez na maioria delas, ela pensa com ajuda de disposivos extrassomáticos, como uma calculadora, uma régua, um compasso. Entramos assim no conceito de mente estendida.

    Nesse ponto, é imprescindível que o corpo, a mente e o mundo não sejam concebidos como campos sobrepostos, que invadem o domínio uns dos outros: nem a mente dentro do corpo (corporificação) e nem a mente extrapolando o corpo (mente estendida).

    No Brasil, os processos de educação escolar estão sofrendo cada vez mais críticas sobre a sua defasagem e por não conseguir atender às novas necessidades. Com essa palestra do professor Ingold, podemos aprofundar nas reflexões sobre uma pedagogia das sociedades e novas vias para promover uma verdadeira reforma no sistema educacional brasileiro.

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