Resenha: A República brasileira
Resenha do texto:
FERREIRA, Marieta de Moraes, SARMENTO, Carlos Eduardo. A República brasileira: pactos e rupturas. In GOMES, Angela de Castro; PANDOLFI, Dulce; ALBERTI, Verena (orgs.). A República do Brasil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira - FGV Editora, 2002. Pp. 451-495.
Quadro "Independência ou Morte", de Pedro Américo (1888) - Óleo sobre tela. |
Na pintura Independência ou Morte (1888), de Pedro Américo, alheio ao comboio de civis e militares, encontra-se um jovem boiadeiro que observa incrédulo os acontecimentos que levaram à criação do Estado brasileiro. O quadro, pintado nos últimos momentos do Império, retrata uma verdade que irá perpetuar-se pela República: os pactos políticos firmados quase sempre deixarão de fora as classes mais populares.
Nesse sentido, o artigo A República brasileira: pactos e rupturas, que nasce do trabalho conjunto da professora Marieta de Moraes Ferreira, uma das principais referências do período republicano e História Política brasileira, e do saudoso Carlos Eduardo Nascimento, à época da escrita, pesquisador do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC), apresenta um resumo desse comportamento de alheamento social do poder político brasileiro.
Nas suas 45 páginas, o artigo aborda de forma didática e com linguagem acessível a formação e consolidação política da República brasileira, bem como os sucessivos pactos políticos que foram firmados de 1889 até o primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso - a maioria sintetizados nas diversas constituições. Em sua rica descrição dos fatos, é estimulante observar como os sucessivos rearranjos de poder moldaram a pactuação da concentração ou desconcentração política e territorial.
O texto está dividido em seis seções, descrevendo os processos políticos que levaram aos principais acontecimentos da nossa história contemporânea. A primeira, intitulada “A montagem do pacto oligárquico”, aborda como a classe militar e a chamada política dos governadores foi essencial para a manutenção dos primeiros anos da República. Já a segunda, “A crise da década de 1920 e a Revolução de 30” apresenta o processo de corrosão da rede de poder estabelecida entre as oligarquias, principalmente as de Minas Gerais e São Paulo, que culminou no golpe (ou na revolução) capitaneado por Getúlio Vargas - uma especial atenção é dada ao ano de 1922, momento crítico à mudança no panorama político e cultural.
Para aprofundar
O texto prossegue com a seção “O pacto negociado dos anos 1930 e o golpe do Estado Novo”, dedicada à descrição da Era Vargas e os mecanismos utilizados pelo seu grupo político para manter-se no poder. Em “A República liberal-democrática do pós-1946” é retratado um dos momentos de retorno às normalidades democráticas, com a eleição de Dutra e de Juscelino Kubitschek.
Para aprofundar
Getúlio Vargas inaugurou o ciclo nacional-desenvolvimentista brasileiro. Sua gestão focou na modernização do Estado. |
Em “O regime militar do pós-1964”, podemos perceber como o grupo civil e militar que provocou a ruptura institucional não era homogêneo, mas fragmentado. Percebemos que a esperança do retorno rápido à normalidade logo deu espaço a períodos de forte repressão e tentativas de desmobilização da sociedade civil.
Por fim, o texto conclui com a seção “O pacto constitucional de 1988 e a luta pela democracia”, que versa sobre o lento e gradual processo de abertura política e a promulgação da Constituição Cidadã.
Um dos pontos fortes do livro é o seu didatismo aliada à linguagem acessível e concisa, mas sem perda da qualidade e riqueza de informações. As suas páginas são recheadas de imagens históricas - a maioria do acervo do CPDOC, um dos maiores centros de documentação de história contemporânea, o que torna o texto agradável até mesmo para as pessoas menos afeitas ao tema.
No escrito, podemos ter detalhes de figuras já conhecidas no imaginário político, como Getúlio Vargas - os autores conseguem transmitir a imagem controversa que o estadista conserva até hoje -, e João Goulart, último líder civil antes do golpe cívico-militar de 1964.
Em toda história política, percebemos que alguns atores sempre permanecem na disputa pelo poder, com variações de maior ou menor influência ao longo do tempo, como os militares, seja no Palácio do Catete ou no Palácio da Alvorada, mantém grande influência no governo, e as oligarquias políticas regionais, que buscavam formar sucessivas alianças com o governo federal para a manutenção do seu grupo político no poder.
Destaco que o artigo, apesar de retratar com zelo os processos históricos, não apresenta - ou não se aprofunda - em figuras que foram importantes na balança de poder, como Chico Ciência, que conspirou com Getúlio Vargas para a derrubada da Primeira República e foi mentor da Constituição de 1937 e do Ato Institucional nº 1.
O quadro "São Paulo" (1924) de Tarsila do Amaral. Ele simboliza a consolidação da burguesia industrial e o surgimento da classe média urbana. |
Por fim, também enriqueceria o texto a inclusão maior de como os fatores econômicos reordenaram as forças políticas. O texto cita rapidamente esses eventos, como a crise da Bolsa de Nova York, em 1929, e a crise econômica que catalisou o fim do período militar na década de 1980. Fica de fora, contudo, o ciclo nacional-desenvolvimentista, iniciado com Vargas, que lançou na arena política a burguesia industrial e a classe média urbana - atores que permanecem ainda hoje como fiadores do poder e da estabilidade institucional.
Para aprofundar
Saiba mais sobre o ciclo nacional-desenvolvimentista brasileiro
O fim desse ciclo - bem como o colapso do sistema de Bretton Woods, a crise da balança de pagamentos e o choque do preço do petróleo provocado pela Guerra de Yom Kippur, criando a chamada década perdida - veio acompanhada do processo de abertura política. A Constituição Cidadã e a eleição de Collor vieram iniciar uma nova fase política e também econômica: seu objetivo era reposicionar o Brasil também no cenário externo, com a adoção das políticas pregadas no Plano Brady - daí veio a criação do Mercosul e das reformas neoliberais.
Por fim, o texto poderia elaborar melhor a sua conclusão, aprofundando nas análises sobre os atores políticos que atuaram em todo o processo histórico republicano, como os militares, as oligarquias políticas regionais e a classe média urbana. Além disso, há alguns erros gramaticais e também históricos - como afirmar que o Comício da Central ocorreu em 13 de maio - o certo é 13 de março de 1964, um dos eventos que motivou o golpe militar 15 dias depois.
De todo modo, é válido fazer a ressalva que essa resenha não tem a pretensão de corrigir ou apontar falhas no capítulo em questão, somente lança sugestões para revisões futuras.
O texto de Marieta Ferreira e Carlos Sarmento é indicado para todos que desejam ter um panorama geral dos principais eventos que forjaram o Estado brasileiro contemporâneo. Ele não tem pretensão de fazer uma descrição detalhada dos eventos históricos - fato comprovado pela sua linguagem acessível - mas trazer um panorama geral. Esse objetivo é cumprido com maestria.
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